terça-feira, 19 de maio de 2009

Tempo

Ontem
(ou não) -
talvez seja meu engano -
as lembranças bateram à porta.
Lembranças de algum ano
passado -
ou talvez dois, já não lembro -
que eu queria que fossem embora.
Mas deixei -
porque, não sei -
que elas entrassem
e se acomodassem
num quarto qualquer,
meio escuro, meio úmido,
e que ali desfizessem as malas
e pusessem seus próprios souvenirs
em cima do criado-mudo,
contanto que mudas elas ficassem.
Mas parece que aquelas
fotos-de-cômoda e aquele
perfume almiscarado falavam
mais alto do que qualquer
palavra que fosse enunciada.
Deixei, então, que as lembranças
balbuciassem o que bem entendessem
e na hora em que quisessem,
contanto que se mudassem
para o quartinho dos fundos,
ainda mais úmido e mais escuro.
Lá eu não veria biscuits nem
sentiria o calor da respiração
do tempo, imerso em seu sono.
Mas acontece que toda vez que as
lembranças me dirigiam a palavra,
o som de suas vozes
e o mentolado dos seus hálitos
me atingiam mais arrebatadoramente
que uma descarga elétrica.
Então disse às lembranças
que elas me dessem mais espaço
e que em minha casa só ficariam
se não aparecessem às minhas vistas,
se dormissem de dia (!) se preciso fosse
e se jamais açucarassem meus doces sonhos.
E assim o fizeram.
O que ficou na casa, no sonho, em meu dia,
eu diria
que fou um vazio enorme,
daqueles que nos dá certeza
da presença e da ausência
de alguma cosa inexplicável,
e eu comecei a sentir falta
daquilo que me construiu
com o passar dos dias.
Limpei o quarto, borrifei anti-mofo
e troquei os lençóis, abri a as janelas
e pedi que as lembranças voltassem
e falassem e cheirassem
o quanto desejassem.
O som não me incomodava mais.
O cheiro, só mais um
como tantos outros.
Os cantos não escondiam de mim
segredos, só poeira -
e essa, eu limpei.
Foi aí que as lembranças decidiram
que queriam um canto próprio
e se mudaram.
Deixaram comigo só seus souvenirs
que hoje guardo com imenso carinho.

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