domingo, 20 de dezembro de 2009

A calma da cidade

A calma da cidade também arde
no fundo do peito
e nos meus olhos insones
Mas de manhã, não tenho sono
Só a curiosidade que me consome
noite afora e ao longo do dia.

E até mais tarde eu só penso
no que há dentro de mim
E no que há fora
do meu alcance.

Mas antes que eu me canse
vem a aurora
encher de luz as frestas da cortina
E clarear, talvez, pensamentos
ou levá-los embora
de minha mente fértil de menina.

E até mais tarde eu só penso
no que está perto de mim
E no que está longe
dessa agonia.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Haicai confuso para um amor intruso

Procurei palavras
Até que então concluí
Que não esxistiam.

sábado, 5 de dezembro de 2009

À tardinha

















Quando o dia for noite
Comerei quiabos achando uma maravilha

Quando o dia for noite
Mudarei pra Nova Iorque ou qualquer outra ilha

Quando o dia for noite
E os tolos forem cães, chefiarei a matilha

Quando o dia for noite
Já terei trinta anos, um filho e uma filha

Quando o dia for noite
Não verei mais nada e me chamarão de Cecília

Mas quando a noite for dia
 – ah(!), se for um dia – eu acordarei.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

O dique e a rolha


Olhando sobre a colina
Esta noite
Ou talvez observando
O açoite
Das ondas no mar
Por detrás dos prédios
Ou do bater no peito
E do cadenciar do tédio
Fechei meus olhos.

Queria que toda
Essa água
Diluísse minhas vozes
E que fosse mais alto
O bater das asas
Dos albatrozes
Que o farfalhar
De meus cabelos.

Tomei uma escolha
Tomei um drinque
Tomei coragem
Só não perdi o medo
Já que aquela rolha
Que segura meu dique
E retém a barragem
Não levo em meus dedos.

Estrelas

Viverei e morrerei esta vida sozinha
Talvez seja esta a sina da bailarina
Da poetisa
Ou de ambas
Ou duma só.
A bailarina já não dança
A poetisa já não rima
Já não é do mar que vem Marina.
Ela vem do altoaltoaltoalto
Quase tão alto quanto o último andar.
Mas com os pés no chão
E do tamanho do parapeito da janela.
E do alto já não se ouve cachorros latindo
Os alarmes disparando
Se ouve só o silêncio da noite.
O silêncio.
Só.
Só a menina.
Pelo menos as luzes –
Que vêm mais de cima –
Ainda entram no quarto para me fazer companhia.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Contato

Pense que você está melhor. São mais as razões que lhe fazem rir; são menos os motivos para chorar. Pense que você é mais feliz. As coisas mudaram, os sentimentos são outros, as pessoas, idem. Você mudou. Pense que as mudanças vieram para o bem. Pense também que você vive sua vida. E você a vive do jeito que quer, que lhe leva ao êxtase e lhe provoca o gozo. Pense que agora você aproveita o instante. Não mais constrói um futuro afogando-se no passado. Você já sabe que jamais será capaz de rebobinar o tempo. Pense, então, que as escolhas más ficaram para trás. Você deve ir adiante e fazer novas escolhas, fortuitas para variar. Pense agora em mim. Posso até ser mais feliz que antes (serei?) – se sou, você não saberá dizer. As coisas mudaram, os sentimentos são outros, as pessoas, idem. Mas pense que eu não mudei. E pense que a constância também pode ser uma coisa boa. Ela faz pensar o mundo de uma maneira diferente, ver as pessoas sob uma nova perspectiva. Pense então que passei a não mais enxergar as coisas que eu tanto gostava nas pessoas de quem eu gostava. Os tons de suas vozes mudaram. As piadas não são mais as mesmas. O programas de sábados à noite são outros. Elas mudaram. E pense no quanto elas mudaram. Eu não as reconheço nem elas a mim.
E aí quem pensa sou eu: senti por um bom tempo coisas que não existiam porque as pessoas por quem tanto prezei eram pura ilusão. Não eram – nem são – más pessoas. São só diferentes. E eu sou a mesma. E eu nunca serei capaz de me aproximar desses alienígenas.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Tempo

Ontem
(ou não) -
talvez seja meu engano -
as lembranças bateram à porta.
Lembranças de algum ano
passado -
ou talvez dois, já não lembro -
que eu queria que fossem embora.
Mas deixei -
porque, não sei -
que elas entrassem
e se acomodassem
num quarto qualquer,
meio escuro, meio úmido,
e que ali desfizessem as malas
e pusessem seus próprios souvenirs
em cima do criado-mudo,
contanto que mudas elas ficassem.
Mas parece que aquelas
fotos-de-cômoda e aquele
perfume almiscarado falavam
mais alto do que qualquer
palavra que fosse enunciada.
Deixei, então, que as lembranças
balbuciassem o que bem entendessem
e na hora em que quisessem,
contanto que se mudassem
para o quartinho dos fundos,
ainda mais úmido e mais escuro.
Lá eu não veria biscuits nem
sentiria o calor da respiração
do tempo, imerso em seu sono.
Mas acontece que toda vez que as
lembranças me dirigiam a palavra,
o som de suas vozes
e o mentolado dos seus hálitos
me atingiam mais arrebatadoramente
que uma descarga elétrica.
Então disse às lembranças
que elas me dessem mais espaço
e que em minha casa só ficariam
se não aparecessem às minhas vistas,
se dormissem de dia (!) se preciso fosse
e se jamais açucarassem meus doces sonhos.
E assim o fizeram.
O que ficou na casa, no sonho, em meu dia,
eu diria
que fou um vazio enorme,
daqueles que nos dá certeza
da presença e da ausência
de alguma cosa inexplicável,
e eu comecei a sentir falta
daquilo que me construiu
com o passar dos dias.
Limpei o quarto, borrifei anti-mofo
e troquei os lençóis, abri a as janelas
e pedi que as lembranças voltassem
e falassem e cheirassem
o quanto desejassem.
O som não me incomodava mais.
O cheiro, só mais um
como tantos outros.
Os cantos não escondiam de mim
segredos, só poeira -
e essa, eu limpei.
Foi aí que as lembranças decidiram
que queriam um canto próprio
e se mudaram.
Deixaram comigo só seus souvenirs
que hoje guardo com imenso carinho.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Reforma

Anda tudo tão escuro que
um palmo na minha frente
não vejo
e os lábios em frente a mim
não beijo
Anda tudo tão distante...

Anda tudo tão errado que
em meus cáculos dois mais dois
não são quatro
e os meus olhos me distanciam
dos fatos
Anda tudo tão confuso...

Anda tudo tão difícil que
por mais que haja tempo, sempre
há pressa
que nada mais que meus negócios
me interessa
Anda tudo tão estranho...

Anda tudo tão nostálgico que
o sono é o ponto alto do
meu dia
e o despertar é meu instante
de agonia
Anda tudo tão estanque...

(Anda tudo tão íntimo que
preciso de cortinas novas
para esconder
o que há aqui dentro.)

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

A última amante

Queria a imprescindibilidade
A imprevisibilidade
A imprescritibilidade.
Queria você só para mim.

Queria que o passado fosse lembrança
Não fantasma
E que tudo o que aconteceu
ficasse de fato para trás.
Queria que das memórias
restassem apenas lampejos
E não nostalgia.
Queria fazer do meu beijo
O seu instante de alegria
Ou o nosso
Ou de toda a vida
– é preciso mitigar a história.

Não quero fazer de mim
a sombra do amor primeiro
Ou do maior amor
Ou do amor total.
Quero ser o amor fatal
E derradeiro
O desabafo do calado
O suspiro do moribundo.

Só me serve ser o último
E melhor amor do mundo.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Poeminha pueril

Fosse o meu puro sangue
Mais espesso que o doce mel,
Ou o paraíso um escuro mangue
Pediria, meu Deus do céu,
Que os anjos fossem pequenas ostras
Protetores dos que mais amo.

Fosse a morte um ledo engano
Uma carta, cujo endereço se erra
Ou a foice que tolhe os anos
Pediria, ó homens na terra,
Que os envelopes fossem lacrados
Com a solda que une mundo.

Fosse eterno justo aquele segundo
Onde só há felicidade na vida
Ou fosse pra sempre também a ferida
Pediria, lembrança em meu fundo,
Que tudo se desfizesse em passado
Pois o instante é somente agora.

Fosse o amor menos espera e demora
E não fosse tanto o tempo à sua procura
Ou se fosse meu, assim, agora
Pediria, coração descompensado,
Que me concedesse a loucura
De estar perdidamente apaixonado.

– parece que o amor é o mal do século –