sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Prosa e pausa

É no lapso entre espaço e tempo que o lápis encontra a mão e escreve sobre o vazio das coisas. E eis que desse instante de ausência surge um papel em branco onde se lê translucidamente a história do dia-a-dia dos braços e do tronco e das pernas que acompanham o punho sem força e sua mão esquálida e imóvel. Mas o lápis, como todo bom assessório da inexistência, se recusa a escrever sobre a cabeça cheia de idéias. O lápis desconhece o perpétuo. É efêmero como um aceno de miss e se deixa apagar facilmente. Só reconhece que deve ser apontado até desaparecer para todo o sempre. Já a caneta, não. A caneta se tampa de todos os lados para que não lhe vaze o conteúdo. E faz de tudo para não por em vão sua cor no papel virgem e tingir acidentalmente a mão pálida e ignóbil. A caneta tem mira certeira: atira na linha para atingir a alma. Ela descreve aquilo que o corpo é incapaz de traduzir. Fala da presença. Fala da palavra. E a grava. E é uma falha grave ignorar que a caneta tira da cabeça confusa e sonolenta dois dedinhos de alguma coisa. Alguma coisa assim menor que o sonho e assim maior que a luz do dia. Não é bem prosa, é letargia.









E a poesia brota daí.